segunda-feira, 2 de abril de 2012

O CARINHO QUE ENSINA


Olá mamães,
Achei esta entrevista da Revista Época muito interessante e convido todas a refletirem sobre o assunto. Vale a pena tirar um tempinho para ler até o final.
Boa leitura!
Mamãe Scheila

 
O carinho que ensina

Pesquisador francês associa desempenho escolar das crianças a gestos de atenção dos pais, como a maneira de tocar e olhar

Em fevereiro, a pesquisa divulgada pela Unesco, órgão das Nações Unidas dedicado a educação, ciência e cultura, não trouxe boas notícias. Entre 16 países em desenvolvimento, o Brasil lidera o ranking de repetência escolar. De cada 100 estudantes matriculados nos cinco primeiros anos do ensino fundamental, 26 repetiram a série que cursavam em 1997. Os dados chamaram a atenção no outro lado do Atlântico. Catedrático da Universidade de Bordeaux, na França, o psiquiatra infantil Hubert Montagner, de 61 anos, debruçou-se sobre as estatísticas e percebeu que não bastaria melhorar a qualificação dos professores e o nível do ensino nas escolas brasileiras para resolver o problema. Aqui existia terreno fértil para pregar sua tese revolucionária para a prevenção e o tratamento do insucesso escolar: a construção do contato.

Por isso, não titubeou ao receber o convite da Universidade de Brasília. Fez as malas e desembarcou na capital federal no fim de abril. Montagner acredita que é preciso despertar no bebê o interesse pelo conhecimento desde seu primeiro dia de vida. Estimular a capacidade de aprendizado é tarefa dos pais. "É preciso abandonar a idéia de que a criança só pode desenvolver-se numa família bem estruturada", disse em entrevista a Época. Montagner tornou-se referência mundial da pesquisa sobre a primeira infância - do nascimento até o terceiro ano de vida. Nos últimos dias, passou por Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre para treinar profissionais no atendimento de crianças dessa faixa etária.

Época: É possível preparar um bebê para tornar-se bom aluno no futuro?
Hubert Montagner: Desde o nascimento, os sistemas sensoriais da criança estão formados. Ela está pronta para se relacionar com o mundo. A estimulação de cada um deles desenvolverá competências que poderão transformá-la em um estudante atento e interessado.

Época: Quais são essas competências?
Montagner: A primeira é a capacidade de fixar o olhar. Desenvolver isso depende da estrutura emocional dos pais. Se eles prestam atenção no que o filho faz, olham nos olhos do bebê, ajudam-no a desenvolver o poder de perceber as emoções. Quando tal competência não se constrói, a criança torna-se dispersiva. Olhar nos olhos é fundamental para compreender melhor a fala. A segunda competência é o ímpeto pela interação.

Época: O que é isso?
Montagner: Acontece a partir do contato. Se um bebê chora, é preciso tocá-lo, reconhecer seus sinais. Se sorri, também deve ser tocado. Uma mãe depressiva, que não acaricia o filho, está formando um ser sem curiosidade. Muitas vezes, as crianças psicóticas, autistas ou deprimidas não tiveram estimulada essa característica. O toque relaciona-se com a terceira competência, o comportamento afiliativo. É a capacidade responsável pela formação da vontade de pegar nos objetos. Pelo desejo de procurar conhecer tudo, sem medo.

Época: Que comportamento tem uma criança sem tal capacidade?
Montagner: Normalmente, torna-se agressiva e destrutiva. Gosta de morder, dar arranhões e pontapés quando brinca e quando briga. É uma pessoa que se assusta à toa. A organização dos gestos molda a penúltima competência. Ela surge exatamente da intimidade com o toque. Sem essa formação, a criança pode perder a coordenação, o ritmo. Finalmente, a última competência é a capacidade de imitação. Daí vem a condição de incorporar o repertório de outras pessoas, de entender e repetir o que se aprende.

Época: Sem qualquer uma dessas condições, torna-se impossível aprender?
Montagner: O aprendizado fica débil, em migalhas. O aluno sem essa capacidade é aquele que vive nas nuvens, refugia-se no imaginário. Uma criança com medo de aproximação é incapaz de desenvolver a auto-estima, não confia em si mesma.

Época: Como reconhecer na escola se a criança está pronta para aprender?
Montagner: A falta de concentração é facilmente percebida. A criança não é capaz, por exemplo, de fixar o olhar por mais de dez segundos. Não só em pessoas, mas também em objetos. É como se estivesse alheia a tudo.

Época: Um bebê que não recebe da família condições para desenvolver tais competências tem recuperação?
Montagner: Tem. Especialmente até o terceiro ano de vida. Em creches ou em escolas de ensino infantil, os profissionais devem estar preparados para estimular cada uma dessas características. Até o contato com outras crianças da mesma idade pode contribuir para a formação da concentração e do interesse em aprender.

Época: Se o ambiente da creche, ou da escola, for favorável ao aprendizado, a vivência familiar pode atrapalhar?
Montagner: Nesse caso, não. As instituições de ensino devem ser um novo mundo para a criança. Ela não deve associar a escola à casa. Por mais que tenha problemas familiares, os profissionais devem recebê-la sem referências às questões domésticas.

Época: Como é possível separar a vida de casa da escolar?
Montagner: Em primeiro lugar, é preciso construir espaços de lazer na instituição de ensino. A criança não pode começar a aprender em estado de transtorno. Ela deve receber as informações em paz de espírito. Caso contrário, nunca será possível complementar o que o bebê deixou de receber em casa.

Época: De que forma se constrói um ambiente que ofereça essa paz de espírito?
Montagner: Está provado que a água corrente tem o poder de reduzir o ritmo dos batimentos cardíacos e a pressão arterial. Balanços em creches também relaxam. Com o ritmo do coração regulado, o aluno torna-se mais disposto a aprender e a apreender.

Época: Existe uma hora ideal para transmitir conhecimentos?
Montagner: Entre 10 e 11 horas e entre 15 e 16 horas os ritmos cardíacos são mais baixos em todas as crianças. São bons momentos para oferecer conhecimento. Além disso, existe um tempo especial para o aprendizado. Normalmente, ele surge entre duas e três horas depois do despertar.

Época: O que as crianças devem fazer entre o momento de acordar e o horário ideal para começar a aprender?
Montagner: Aí está o ponto fundamental de minha proposta de construção de espaços em creches e escolas. Nenhum aluno deve chegar a um centro de ensino e entrar direto na sala de aula para ser bombardeado por informações. Ele deve ter uma hora para dedicar-se a atividades que o acalmem.

Época: Essas atividades devem ser coordenadas pela escola?
Montagner: Não necessariamente. Os espaços devem existir na escola, mas a criança escolhe o que fazer. Ela pode ir para uma sala de pintura ou para uma área onde simplesmente ouça música, ou leia, ou fique quieta, ou escreva. Enfim, o aluno deve ser recebido num ambiente de ensino como alguém importante, cujas vontades são ouvidas. O respeito à opção do aluno permite a aproximação e a confiança para desenvolver o interesse pelo conhecimento.

Época: Essa regra só vale para crianças ou serve também para adultos?
Montagner: Não é restrita. Aplica-se também a adolescentes e adultos. O ritmo do aprendizado não muda. E o interesse das pessoas pode ser recuperado ao longo da vida.
Maria Clarice Dias, de Brasília

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